R de Racing: como anda a nova Honda CBR 1000RR-R SP
A nova Fireblade vem pronta para entrar na pista: 216,2 cv de potência
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Antes que alguém imagine que a nova Honda CBR 1000RR-R Fireblade SP é uma evolução da CBR 1000RR anterior, esquece. É uma moto totalmente diferente de todas as antecessoras, desde que a Honda lançou a primeira versão em 1992. É simplesmente a mais esportiva da história da Honda, com absurdos 216,2 cv a 14.500 rpm. Para saber o que isso significa, basta entender que as motos 500 cc dois tempos que competiram nos anos 80/90 chegaram ao máximo de 180 cv. Não é uma moto para amadores.
Não se trata de uma melhoria da CBR 1000RR anterior, mas um projeto totalmente novo do qual não se aproveitou nem os parafusos. Para esta avaliação a Honda levou a CBR 2020 e a novíssima 2021 para os pilotos poderem comparar a evolução. Alerta de spoiler: são completamente diferentes.
Antes de contar como foi acelerar até 240 km/h em terceira marcha, vou detalhar a nova CBR aos pedaços.
Motor – Bom, a Honda BR preferiu investir em um novíssimo quatro cilindros em linha extremamente compacto. É o menor e mais leve quatro cilindros já produzido pela marca. Os dados de diâmetro e curso são impressionantes: o diâmetro tem 81 mm para um curso de 48,5 mm. O pistão é praticamente um suporte para os anéis. São exatamente as mesmas medidas da RC 213V que Marc Márquez corre nos fins de semana.
Números não significam nada, mas interpretá-los sim. Resumidamente, quanto maior o curso, mais torque em baixa tem um motor. Por isso as motos custom tem grande valor de curso e pequeno de diâmetro. Nas motos esportivas o importante é força em alta rotação, por isso os motores tem menos curso e mais diâmetro. Mas nesta CBR exageraram um pouco.
Para reduzir ao máximo os atritos, a Honda encheu o motor de rolamentos em praticamente todas as peças que se mexem. Tem rolamento de esfera, de agulha, todo tipo. Além disso tanto cilindro quanto pistões recebem tratamento de superfície diamantado que garante maior dureza e menor atrito.
Mas o ponto alto deste motor é o sistema de comando de válvulas híbrido, com corrente e cascata de engrenagem juntos. O objetivo é eliminar parte do efeito giroscópico das massas rotantes do virabrequim e comando de válvulas. Num motor convencional o virabrequim e o comando de válvulas rodam no mesmo sentido. Isso soma os efeitos giroscópicos no mesmo sentido (que é o mesmo das rodas). O resultado é a tendência de a moto “alongar” a trajetória nas curvas, especialmente nas de baixa velocidade.
Para entender isso lembre dos carrinhos de fricção. A gente dá impulso e dentro dele tem uma engrenagem que aumenta a velocidade de um corpo circular. Quando colocamos o carrinho no chão ele sai andando pelo efeito giroscópico da pecinha que está lá dentro.
No caso do motor da CBR 1000RR-R o comando de válvulas girando no sentido contrário ao do virabrequim reduz essa tendência de a moto alargar a curva. Por isso foi tão importante testar as duas CBR no mesmo dia e na mesma pista: pude sentir essa diferença na prática e não na teoria.
Bom, a potência e torque estão na ficha técnica. Mais do que os números, é preciso entender que o comportamento de um motor com estes dados de diâmetro e curso não foi feito para passear no quarteirão. Foi feito para desfrutar em alta rotação.
Uma das novidades desta moto é a chave smart key, que dispensa o contato tradicional no painel. Sem o volume no painel a Honda teve uma sacada genial: montou a coluna de direção em formato aerodinâmico de gota (ou asa). Também conseguiu um duto de indução de ar tão gigantesco que dá para colocar o braço inteiro. /A indução de ar funciona como uma espécie de “compressor dinâmico”, quanto mais rápido, maior a pressão do ar nos coletores de admissão.
Quadro – Uma obra de arte, feito quase de forma artesanal, com dupla trave superior e balança traseira derivada diretamente da MotoGP. Não só na escolha de materiais e medidas, mas também pela forma aerodinâmica. Toda a CBR 1000RR-R foi criada e desenvolvida pensando na forma mais fluida e que permitisse um efeito downforce para segurar a moto no asfalto. Além disso, a distância entre-eixos aumentou em um centímetro na esperança de fazer a moto empinar menos nas acelerações bruscas.
As dimensões foram totalmente alteradas em relação à versão anterior. Além de mais “longa”, ficou mais estreita e o piloto ganhou um tiquinho mais de espaço. Os semi-guidões ficaram mais abertos e mais confortáveis. Incrível como alterações quase imperceptíveis deixaram a CBR mais ergonômica especialmente para pilotos na faixa de 1,70m e 70 kg.
Suspensões – Totalmente regulável e eletrônica. Na real o piloto escolhe qual programa de pilotagem quer usar e a eletrônica se encarrega de ajustar tudo. O destaque é que a Honda deixou de usar a marca Kayaba japonesa e partiu para a Öhlins. O piloto pode personalizar os ajustes da suspensão e guardar na memória do processador. Por exemplo, se vai rodando de casa até a pista do track-day pode-se sair com um ajuste mais “cidadão” e ao chegar na pista ajustar no modo “racing” com apenas um click.
Aerodinâmica – As “asinhas” laterais nas motos da MotoGP chegaram nas motos de série. No caso desta CBR 1000RR-R estas aletas tem mais de uma função. Além de ajudar a manter o pneu dianteiro em contato com o asfalto, ela também atua no arrefecimento do motor e direcionar o ar quente para longe das pernas do piloto.
Algumas pessoas perguntaram se essas asas atuam mesmo em baixa velocidade. Na verdade a aerodinâmica é o estudo do vento em relação ao veículo. O corpo pode estar em movimento ou não. Por exemplo: quando a criança solta pipa, num dia de vento forte, a pipa está parada, presa a uma linha, mas o vento passa por ela e a faz subir, virar, fazer manobras etc.
No caso dos veículos a velocidade do vento mais a velocidade do veículo ampliam o efeito das aletas. Não precisa estar a 280 km/h. Assim que a moto se desloca já está valendo. O piloto pouco sente na prática, mas aerodinâmica é assim mesmo: a gente não sente, mas ela está sempre ali atuando.
Além das aletas, pode-se perceber pequenos recortes no para-lama dianteiro, na carenagem, ou então curvas inexplicáveis na balança traseira, na carenagem e por todo lado. Tudo para forçar o ar passar no lugar certo para obter o efeito de melhorar arrefecimento, fluidez, velocidade etc.
Na pista
Durante o briefing técnico explicaram que faríamos primeiro algumas voltas com a CBR 1000RR anterior para termos elementos de comparação com a nova, uma decisão inteligente.
Depois do “aquecimento” com a versão anterior, confesso que não consegui fazer todo o miolo da pista em primeira marcha, como sugeriram, mas em segunda, porque esta CBR ainda tem um motor mais “civilizado” com torque em baixa.
Desci da “velha” e assim que assumi o cockpit da nova já deu pra perceber que a nova é mais estreita, os pés ficam mais encaixados e os pedais de freio e câmbio mais curtos. O guidão é mais aberto e a posição de pilotagem ligeiramente mais confortável (se dá pra falar em conforto em moto de corrida...).
Motor acionado e surpresa: vibra menos! Isso mesmo, com faixa de rotação mais alta imaginei um motor mais áspero, mas nada disso. Primeira engatada, usa-se a embreagem só pra sair, porque o câmbio tem quick-shift (regulável) tanto para marcha crescente quanto decrescente.
Logo nas primeiras curvas foi possível confirmar o menor efeito giroscópico do motor, porque sumiu a tendência em alargar a trajetória. Mas nem quis olhar o conta-giros antes de chegar na reta e aff...
Tive de readaptar meu estilo de pilotagem porque nas motos com controle de tração o piloto precisa colocar a moto em pé rapidamente para avisar a central eletrônica que já pode acelerar.
A exemplo da Africa Twin, esta CBR 1000RR-R tem uma central eletrônica IMU de seis coordenadas. A posição da moto é monitorada o tempo todo e determina quando o motor pode entregar toda a potência ou quando o freio dianteiro tem de ser amenizado no meio de uma curva, por exemplo, ou controlar a entrada do ABS.
Sobre o freio ABS, nas voltas com a CBR anterior foi possível sentir a atuação do ABS na roda traseira, mas na versão RRR é imperceptível mesmo quando acionado com toda violência do mundo. Também a exemplo da Africa Twin, esta RRR tem o valioso e desejado ABS cornering, que distribui a frenagem durante a curva.
Outra percepção que só foi possível ao pilotar as duas versões no mesmo dia foi o trabalho da suspensão inteligente. Em um trecho da pista passávamos por dois “bumps”. Realmente a diferença é totalmente sensível: com a nova RRR a moto absorve completamente e parece que alisaram a pista!
Depois da primeira sessão o piloto da Honda, Rafael Paschoalin, deu outra dica: segundo ele eu estava demorando muito para colocar a moto em pé nas saídas de curva e dosando muito o acelerador. Ele aconselhou colocar a moto em pé e abrir TODO acelerador de uma vez na saída de curva. Será?
Na segunda bateria de testes colocaram o modo de pilotagem no “Racing”. Uma das opções do painel é exibir um gráfico de inclinação da moto em curva.
Assim, fiz exatamente o que o Rafael aconselhou e na primeira saída de curva de baixa coloquei a moto em pé o mais cedo possível, abri todo acelerador e senti meu estômago quase sair pela boca.
A frente levantou alguns centímetros do chão, os semi-guidões viraram de batente a batente (abençoado amortecedor de direção eletrônico) e a moto deu uma estilingada absurda, mas totalmente controlável.
Na primeira passagem pelo retão consegui esticar a segunda e terceira marchas e o velocímetro indicou 240 km/h. E ainda tinha mais três marchas! Segundo os jornalistas estrangeiros que pilotaram numa pista “de verdade”, ela chega a 299 km/h em quarta marcha. A velocidade é controlada eletronicamente, mas já existe remap da própria HRC que libera a velocidade máxima. Calcula-se que supere os 320 km/h.
Só a título de curiosidade, a inclinação máxima para a esquerda foi de 54º, enquanto para a direita foi de 49º. Um piloto profissional chega fácil a 60º de inclinação.
Por indicação do Rafael, usei só a primeira marcha durante todo o miolo do circuito. Isso deixa as reações da moto muito nervosas e só fiquei totalmente à vontade em uma curva de raio longo para a esquerda, quando pude levar ao limite os confiáveis pneus Pirelli Supercorsa. Na única vez que tentei usar a segunda marcha a moto ficou xoxa, sem o empurrão nervoso. Na CBR anterior ainda se pode trabalhar em médios regimes, mas na RRR esquece: se quiser vigor tem de subir além de 12.500 rpm.
Um item que deve permanecer absolutamente original é o belíssimo escapamento Akrapovic 4-2-1. Tanto o desenho quanto o ronco são o que existe de mais adequado à esta moto esportiva que beira a perfeição. Claro que para competição existem versões mais esportivas, sem respeitar os limites de emissões.
Depois de três sessões de treinos cheguei à conclusão de que esta é a mais esportiva moto vendida ao público. Claro, existe a Ducati V4 S Panigale, mas ela concorre, de fato, com a Honda RC-213V S, que também adota motor V4. Entre as motos da categoria Superbike de motor quatro-em-linha esta é uma versão que basta retirar a lanterna traseira, as setas e ir para o track-day. Ou, se preferir, pode ir rodando mesmo.
Não imagino alguém comprando uma moto desta para passear de fim de semana e menos ainda para ir e voltar do trabalho. Com ajuda dos programas de pilotagem até melhora a distribuição de força em médios regimes, mas da mesma forma que ninguém compra um cavalo puro sangue campeão do GP Brasil para passear no sítio, esta é uma moto que não nasceu para voltinhas. É pra levar na pista e acelerar em local seguro.
Deixei pra revelar o preço no final, mas pode preparar o cofre porque são R$ 159.000. E certamente vai ter fila de espera porque não foi informada a quantidade que virá para o Brasil. Se continuarem as dificuldades para produzir e fornecer os semicondutores a CBR 1000RR-R já nasce com o status de colecionável porque a produção será pequena. Ela é fabricada pela Honda do Japão, que vai abastecer os principais mercados do mundo.
Ficha Técnica
Modelo
Honda CBR 1000RR-R Fireblade SP | |
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Tipo | DOHC, quatro cilindros, quatro tempos, arrefecimento líquido |
Cilindrada | 1000,0 cc |
Diâmetro x curso | 81,0 x 48,5 mm |
Potência máxima | 216,2 cv a 14.500 rpm |
Torque máximo | 11,5 kgf.m a 12.500 rpm |
Sistema de alimentação | Injeção Eletrônica, PGM-DSFI |
Relação de compressão | 13.2: 1 |
Sistema de lubrificação | Forçada, por bomba trocoidal |
Transmissão | Seis velocidades |
Embreagem | Multidisco em banho de óleo |
Sistema de partida | Elétrica |
Combustível | Gasolina |
Sistema elétrico | |
Ignição | Eletrônica |
Bateria | 12 V - 2 Ah |
Farol | LED |
Chassi | |
Tipo | Diamond Frame |
Suspensão dianteira | Garfo telescópico |
Curso: Amort. / Eixo roda | 125 / 114 mm |
Suspensão traseira / curso | Pro-Link |
Curso: Amort. / Eixo roda | 66 / 143 mm |
Freio dianteiro / diâmetro | Disco / 330 mm |
Freio traseiro / diâmetro | Disco / 220 mm |
Pneu dianteiro | 120/70 ZR17M/C (58W) |
Pneu traseiro | 200/55 ZR17M/C (78W) |
Características | |
Comp x Larg x Alt | 2.100 mm x 745 mm x 1.140 mm |
Distância entre eixos | 1.455 mm |
Distância mínima do solo | 115 mm |
Altura do assento | 830 mm |
Capacidade do tanque | 16,1 litros (4,0 litros p/reserva) |
Óleo do Motor | 4,0L (3,5L para troca) |
Peso seco: | 189 kg |
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Por
Tite Simões
Geraldo 'Tite' Simões ?jornalista e instrutor de pilotagem na Speedmaster.